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A docência como radiante fracassso

Desde a partida de Rita Lee venho pensando muito na beleza das vidas dotadas desse raríssimo poder de autodeterminação. Ilusão retrospectiva, decerto, e que só se revela plenamente ao fim da jornada. Porém como é grandioso contemplarmos uma existência que fez da própria vida, eternidade. Rita era desses raríssimos seres a respeito de quem se pode afirmar sem medo: eis alguém que viveu uma vida que lhe pertencia integralmente.

Enquanto a mim, jamais me imaginei professor. Muito menos professor de literatura.

Foi aquela coisa: sem grana e muito antes do PROUNI, minha única opção era a universidade pública. E Letras era um curso com baixa relação candidato-vaga. E foi isso. Sem romantizações, vocações ou sonhos, o puro império da necessidade. Mas também sem fatalismo: é da necessidade que nascem sambas e rosas.

Dizem os franceses que uma aula de literatura é uma impossibilidade estrutural, porque literatura é sempre aquilo que nos escapa. Nesse sentido, uma aula de literatura é sempre, em alguma medida, a expressão de um fracasso. E eu até meio que concordo com isso, mas só até o ponto em que Paulo Freire nos faz lembrar de que tampouco a aula acontece naquilo que se ensina. Uma boa aula é também aquilo que escapa a todos, professores e alunos. Por isso ela é – por mais absurdo que isso possa parecer – um grande perigo.

Nesse ponto a literatura nada tem de especial. Toda aula, quando verdadeira, fracassa, indomável. Talvez por isso  a literatura tantas vezes insista em sua superioridade frente ao “aprisionamento” escolar. Seu ego é enorme, e a aula exibe escandalosamente seu caráter mais ordinário.

Tecer elogios a profissão de professor é sempre se colocar em risco. Cada palavra positiva e cada gesto de afeto facilmente se convertem em cortes de salário e sobrecarga de trabalho. Além de despertar o ódio das feras que se alimentam da nossa dor. Sobretudo as internas.

Por isso eu só vou dizer que essa foto aí é muito bonita. Três professores sorrindo. Sorrindo porque acabavam de ler um lindo trabalho de conclusão de curso de uma de suas alunas. Futura professora. Admiradora de poesia portuguesa do século XIX.

Sorriam porque fracassaram maravilhosamente.

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