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Primavera secundarista em São Paulo: a desconstrução das estratégias narrativas do tucanistão.

Existem sim, muitos motivos pra comemorar a suspensão do Geraldinho Porrada e Bomba. É claro que suspensão não é cancelamento, e todos conhecemos suficientemente bem o Tinhoso pra saber que se trata de um recuo estratégico pra pensar em formas mais eficientes de tornar a coisa ainda pior. Contudo, se a guerra continua, sem dúvida quem venceu essa batalha foram os secundaristas, e devemos agora observar e aprender com sua criatividade política.

Acho que um dos segredos dessa vitória foi a capacidade do movimento em desarticular as tradicionais estratégias narrativas tucanas. Sendo a principal delas, é claro, a falácia de que o governo agiria pelo “bem” da educação. Ao ocuparem suas escolas, deixando óbvio que as querem preservar, os estudantes imediatamente transformaram qualquer fala\gesto do governador “a favor” da educação naquilo que eles realmetne são: uma contradição cínica. Pois se a educação que ele defende não inclui os estudantes, ela consiste no que exatamente? Sabemos o que ela é – um equivalente das cadeias para crianças pobres que ainda não toparam com a polícia, e que é tratada como uma educação normal”. O grande feito dos estudantes foi desfazer provisoriamente essa “normalidade”, ao reconduzir a escola a seu lugar de direito. Os alunos mostraram para todos o que, de fato, é a verdadeira educação (“a escola somos nós”), e o quanto ela é contrária a concepção do senhor governador.

Outro argumento deslocado pela ação política dos estudantes foi a de que o governo e a polícia(!!!) de São Paulo buscam sempre o diálogo. Aqui, entretanto, a questão é bem mais complexa, porque de fato todo mundo SABE que não é assim. Mais do que isso: não é o diálogo que a maioria da população espera da polícia. A opinião pública geral espera\deseja que a polícia seja homicida – é preciso não se iludir com relação a isso. Porque então a imagem do governador foi ficando cada vez mais arranhada dessa vez, ao utilizar a estratégia homicida de sempre que, no geral, é bem vista e apoiada pela opinião pública? Pena das crianças pobres? Bastante improvável, haja vista a aprovação pública da redução da maioridade penal. Novamente, o que não funcionou desta vez foi o aparato retórico legitimador. Bolsonaro e Alckmin são ambos maníacos carniceiros, mas suas estratégias argumentativas são bem diferentes. Alckmin teria carta branca pra barbarizar se 1) ele conseguisse enquadrar os estudantes nas categorias extermináveis de sempre – bandidos, baderneiros, vagabundos – o que não foi permitido pelas estratégias políticas criativas da molecada, que revelaram serem ELES a escola real 2) se ele “convencesse” que seu projeto reestruturação está sendo feito porque é o melhor em termos administrativos, a despeito de qualquer custo humano. Contudo, novamente graças a criatividade política dos estudantes foi se tornando cada vez mais óbvio se tratar de uma grande empulhação pra “esconder” que o Estado, junto com o país, está quebrado, e que o primeiro lugar a sofrer as consequências seria a educação, assim como no plano federal. Bolsonaro, como Cunha, não precisaria de um aparato retórico tecnocrata pra tacar o terror. Alckmin, por outro lado, (assim como Aécio, que por isso precisa de um cachorro louco como o Cunha), precisa conservar a imagem de gestor tecnocrata linha dura. No caso das ocupações dos secundaristas, ficou evidente pra todo mundo aquilo que ele realmente é: um gestor de merda, que depende exclusivamente da violência e do medo pra impor aquilo que bem entende.

Existe, contudo, ainda outro elemento complicador. A legitimação do governo tucano é mais baseada no cinismo do que na construção de alguma relação com a Verdade. Ou seja, ela é muito mais baseada na sustentação de uma imagem do que na correspondência com alguma Verdade factual. Todos sabem efetivamente que a função do Estado de SP é ser o mais carniceiro possível, e a maioria apóia essa função. Mas ao mesmo tempo exigesse que toda a barbárie se apresente sob a máscara de imparcialidade administrativa. Uma máscara que não oculta o terror, mas o complementa, como nos casos dos burocratas do 3° Reich. É essa máscara que não pode ser arranhada, a despeito do que se passa no plano da “realidade”. É a máscara, e não a realidade, que satisfaz os desejos de seus apoiadores. Não podemos esquecer da grande lição aprendida com a crise hídrica, quando Geraldinho ganhou um prêmio pela gestão dos recursos hídricos na época em que São Paulo, por culpa de sua má administração, passava pela maior crise hídrica dos últimos tempos. Todas as denúncias no fim das contas serviram apenas para reforçar sua capacidade administrativa. O círculo vicioso discursivo funcionou assim: A má gestão de Alckmin produz a crise – manifestantes enfatizam tanto a crise quanto a culpa do governo – sem poder mais esconder, o governo assume que existe crise, mas coloca a culpa em Deus – o governo é reeleito, e essa vitória é reconhecida como carta branca para o governador assumir que fez o melhor por São Paulo durante a crise, causada por ele. Argumento tão lógico quanto irracional. Nesse sentido, o governador se torna mesmo uma espécie de Deus, de modo que seus atos e pronunciamentos não precisam coincidir com a realidade, justamente porque criam sua própria verdade ao se concretizar: a polícia homicida torna culpado quem ela matou, a vitória do governador torna positiva a crise hídrica que ele causou, etc.

A questão que permanece, portanto, é porque nesse caso específico a estratégia não funcionou? Porque o discurso dele, ainda que cínico como sempre, não colou igual das outras vezes? Pela lógica, os estudantes deveriam se tornar culpados assim que a polícia começou a bater neles. O que deu errado? É preciso investigar mais a fundo, mas creio que a resposta passa pela criatividade da organização política da molecada secundarista, que forçou a opinião pública a reconhecer que a verdadeira escola eram eles, não só expondo o projeto escolar governista como o simulacro perverso que ele é (isso é aceito normalmente) mas criando por meio de sua prática uma escola Real. Mais do que estudantes defendendo seus sonhos, vimos crianças construindo uma realidade, tão potente que impôs uma vitória a mesquinharia que nos é imposta como sendo a vida real.

Apesar de cínico, o mecanismo discursivo tucano tem suas regras. Pra que ele funcione, é preciso que a maquina retórica seja acionada para ocupar o lugar da verdade: quem morre é necessariamente bandido, a crise nunca existiu e foi contornada, etc. A ocupação brilhante dos estudantes minou uma a uma as estratégias retóricas boçais do tucanistão, ao situar a Verdade no lugar da retórica. Alguns clichês básicos do tucanês foram completamente desautorizados, como aquele que sustenta a ilegalidade dos protestos porque eles tolhem o direito da população de “ir e vir”. Ir e vir pra onde, se as escolas estavam sendo fechadas? Ir e vir de quem, se os alunos, publico-alvo das escolas, estavam sendo “remanejados”? O ridículo do argumento foi completamente escancarado. Também o clichê dos “manifestantes baderneiros” caiu por terra quando os vídeos registrando a organização dos estudantes e seus esforços pra preservar a escola foram divulgados, comovendo a todos. Inclusive denunciando as tradicionais estratégias da polícia de quebrar tudo e colocar a culpa nos manifestantes.

Outro ganho, que não é dos menores: os grupos reaças que se elevaram desde 2013 pedindo “Educação padrão Fifa” e outras bobagens simplesmente não deram as caras. Alguns até tentaram associar as ocupações ao PT e MST, sem sucesso. Também nesse caso a Verdade da luta dos secundaristas desmontou todo o circo montado pelos “revoltados” em geral. Ficou claro também o quanto grande parte dos professores – me refiro aqueles que ficaram contra os alunos – é uma classe politicamente falida. Infelizmente. Digo isso sem problema algum, pois quem está nela sabe que é assim. A produção dessa falência – uma ação que é conjunta – também faz parte do fracasso da educação no Brasil.

Os estudantes comprovaram ser os verdadeiros mestres ao mostrar o caminho para se construir a verdadeira escola. Independente dos desdobramentos futuros, essa lição jamais será esquecida!

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