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Um Tira da Pesada I [Beverly Hills Cop] 1984

Recentemente voltei a frequentar alguns filmes que fizeram a minha cabeça na infância, e no meio do caminho me deparei com essa pérola do Eddie Murphy, Um tira da pesada I [Beverly Hills Cop], de 1984, que foi uma belíssima surpresa.

Que Eddie Murphy nos anos 1980 era um gênio do humor, disso eu lembrava bem. Inclusive porque foi bem traumático pra mim quando ele deixou de ser (meu Deus, ele fez Norbit, só de lembrar já tenho vontade de chorar)! Foi tipo quando o Michael Jackson ficou branco – um dos grandes traumas da minha infância. Mas Um Tira da Pesada (tem na Netflix) é ainda mais interessante do que eu conseguia me lembrar. Primeiro porque é, de fato, um bom policial. Não ótimo. Bom. Simples, sem complicações, complexidades ou grandes reviravoltas, mas bastante honesto nas cenas e clichês bem trabalhados. O vilão típico de 007, daqueles que já te deixam com ódio logo na primeira vez que abrem a boca, a dupla de alívio cômico que funciona muito, mas muito bem (aliás, é interessante que a dupla de policias aqui não seja a protagonista, como geralmente acontece nesses filmes, mas que sirva de escada pra Eddie Murphy, como se o filme incorporasse na estrutura a tiração de onda de Axel Foley), coadjuvantes com aparições marcantes (não tanto quanto em Ghost – outro clássico da minha época, em que os coadjuvantes são melhores que os protagonistas – mas ainda assim bons), bons atores, enredo bem amarrado que explica e sustenta bem eventuais furos. Além, é claro, da trilha sonora (que ganhou Grammy). Que trilha sensacional, senhoras e senhores, tanto que o tema principal é ainda hoje dos mais sampleados da indústria. E olha que tem aquele sax oitentista que tinha tudo pra dar ruim.

Enfim, o sucesso da mescla de humor e ação (pra se ter uma ideia, o filme venceu o muito mais caro Indiana Jones 2 na bilheteria daquele ano nos EUA) vem da qualidade dos dois gêneros, ainda que seja bem básico mesmo como ação. Mas funciona bem sendo assim, porque desempenha a função de servir como uma espécie de ‘cama’ fixa tradicional pro Eddie Murphy tirar onda. É bem diferente de outra comédia lançada no mesmo ano, Loucademia de Polícia [Police Academy, 1984], por exemplo, que se organiza a partir de esquetes de humor que jogam a ação pra segundo plano. Aqui a ação policial existe de fato, porque desse modo, por contraste, o talento cômico de Murphy – baseado na ridicularização da ordem careta e fake – pode causar maior impacto.

E aí chegamos nele, é claro, o principal trunfo do filme, mister Eddie Murphy em seu auge. O bom e velho filme de ator, uma coisa que a geração Vingadores desconhece (o cinema não tem nem mais nem roupa pra isso). É impressionante, mas desde que ele abre o primeiro sorriso você já foi completamente cativado e quer tomar uma cana com ele, ciente de que no final ele vai te fazer pagar a conta sozinho. E ciente de que você vai pagar, feliz. É tipo ouvir o Zeca Pagodinho: na mesma hora tu quer ir pra um churrasco em Xerém. Murphy consegue transpor todo seu talento cômico pra tela e carregar o filme – que foi feito pra isso – nas costas. Seu talento tem múltiplas camadas. Um talento monstro pra improviso (nos finados ‘extras de DVD’ o elenco conta que cerca de 80% dos diálogos foram improvisados pelo ator – é por isso que em várias cenas a gente vê os caras se esforçando muito pra não rir – e falhando miseravelmente) e um talento monstro para imitação, de pegada Stand-up, que não precisa trocar de roupa ou maquiagem e se dá bem na frente do espectador, do nada, como mágica. O impacto dessas transições é maravilhoso. Ele muda de personagem muitas vezes, uma mais engraçada que a outra, sendo esse meio que o centro da sua malandragem. Isso pra não falar nas vezes em que ele imita o próprio interlocutor, de forma brilhante. No fim das contas, o filme e todo seu elenco funciona como uma enorme escada para Murphy brilhar. E essa é uma decisão completamente acertada.

Além disso, o filme traz algumas sacadas em relação a questão racial e social que são muito boas. Coisas simples, porém interessantes. Por exemplo, a personagem de Murphy é um policial que tem como grande amigo um cara que acabou de sair da cadeia, e que lhe faz uma bela declaração de amor. Sua morte é o núcleo da história. Isso numa época em que Stallone Cobra estava comparando bandidos a doenças contagiosas e Charles Bronson estava nos ensinando que matar negros e latinos é algo bom pra sociedade. E outro detalhe sensacional: NENHUM bandido do filme é negro. Isso mesmo, nenhum. Não é pouca coisa. A bem dizer, a principal fonte das piadas de Murphy é a ridicularização do universo de fantasia dos brancos ricos por um negro pobre que sabe o quanto aquela fachada de civilidade é profundamente violenta. É claro, não estamos falando de Spike Lee nem nada, e no final trata-se de bem contra o mal, e o que resolve é a boa vontade e a conciliação dos justos, independentemente de cor, raça ou religião. E o lugar dessa utopia é o solo americano. Estamos na era do Spielberg, afinal. Mas, no meio disso, tem muita coisa boa.

Vale a pena ver de novo, nem que seja só pra ver um monstro da comédia em atuação. E depois volta mais um pouco e procura pelo Deus Richard Pryor.

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