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Choque de Cultura como Metáfora

Achou que não ia ter mais um texto que usa o bordão do “Choque de Cultura” no começo pra falar do “Choque de Cultura”? Achou errado, otário! Bora então pro top 10 do programa.

Solta a vinheta aí, Simone!

  1. O roteiro parece escrito por aquele seu bando de amigo maconheiro. E maconheiro é engraçado, rapá!
  2. Finalmente alguém resolveu tirar uma onda bem feita com um dos formatos de maior sucesso do país: a mesa redonda (lembrando que o TV Quase, canal de origem do “Choque,” já vinha fazendo isso em outros programas, como o “Falha de Cobertura”, sobre futebol). Aquele tipo de programa marcado por um falso despojamento, com um bando de gente chata do caralho falando besteira enquanto paga de especialista. Especialista é meu ovo esquerdo! Fica aqui a indignação.
  3. O programa até lança algumas piscadelas mais pró-esquerda, no estilo “crítica social foda”: críticas a figuras como Dória, Luciano Huck, bordões do tipo “Harry Potter sem Harry Potter é golpe”. Mas não é um programa esquerdista!!! Primeiro porque grande parte dessas sacadas “progressistas” são, por si só, totalmente caricatas, no estilo “A justiça é injusta”. Segundo porque o programa passa anos luz do politicamente correto. Já vi gente incomodada com as piadas do Renan sobre o filho, com os comentários machistas do Julinho, com a “caricatura” feita do “povão” (obviamente, não foi um pobre que reclamou). Tá errada a indignação!! Politicamente correto não é solução pra humor. Nem pra nada, na verdade. Além do que, os absurdos das colocações – “Não tinha um adulto consciente pra botar uma pistola na mão dessa criança?” – deixam evidente por si só distanciamento do texto em relação às personagens.
  4. As premissas do programa são muito simples e óbvias. Ou melhor, são toscas mesmo. Motoristas de van que acham que os melhores filmes são aqueles que têm carro: puta sacada tosca de drogado essa! Mas o programa sabe disso perfeitamente bem, e explora essa tosqueira (não só da premissa, mas também do formato) até os limites do absurdo, dando força para as personagens que combinam perfeitamente bem com essa precariedade, explorada pelos mais diversos ângulos – por exemplo, criando-se categorias absurdas como “melhor soco de moto” apenas para premiar o Vin Diesel, ou dando prêmio de melhor ator para The Rock por medo de apanhar.
  5. O absurdo generalizado que (des)organiza os quadros é amarrado de forma muito competente pelo roteiro, resultando em um modelo de “debate” que não chega a lugar nenhum, e onde, preocupados em defender suas próprias bobagens, ninguém se comunica de fato. Nesse sentido, o “Choque” constrói uma metáfora perfeita para programas estilo mesa-redonda. Mas, principalmente, o programa constrói uma imagem ideal das redes sociais: um monte de opinião estúpida de gente que não faz ideia do que está falando, mas que acredita piamente que aquilo que diz tem relevância.
  6. Essa lógica sem sentido das redes sociais, que no fundo organiza o sistema de humor do “Choque de Cultura” (talvez mais do que a TV, embora seja essa a inspiração direta), se materializa em enunciados absurdos, descontextualizados, lançados em forma de verdades absolutas, sem formar um conjunto coerente (obviamente pensados pelo grupo para viralizar como memes). É como se pudéssemos rir das caixas de comentários de textos da internet, que ganham vida própria, escancarando o seu non-sense. Apesar das personagens serem motoristas de van, pode-se fazer tranquilamente imaginá-los como comentaristas de textão: acredito inclusive que o tom violento, autoritário, absurdo e cômico das personagens é mais próximo da lógica das redes sociais do que do velho imaginário do motorista de taxi reacionário que quer opinar sobre tudo. A força do programa em parte deriva do poder de generalização dessa imagem: no debate público que circula nas redes sociais – habitat por excelência do programa – a grande massa se comporta exatamente como os quatro participantes. Contudo, se os efeitos das caixas de comentários tendem a ser profundamente depressivos, no “Choque” eles se tornam hilários, e por vezes, reveladores. O mestre nesse sentido é Renan, que o tempo todo lança comentários preciosos do tipo “Olha o trem aí. Isso aí é poesia. Quando o filme tem poesia, tem trem”. Ao mesmo tempo em que se ridiculariza os comentários “gabaritados” de quem nada sabe, critica-se também a própria estrutura engessada do cinema que, de fato, vive de repetir metáforas desgastadas (diversas vezes o trem é usado quase que automaticamente como uma metáfora visual para viagens interiores das personagens).
  7. O programa se equilibra numa posição difícil, em grande parte responsável por seu acerto. Ele tira onda sem pudor algum daquele expectador médio, jovem e fã de blockbuster (o próprio público do “Choque de Cultura”). Atores ruins como Vin Diesel e Adan Sandler são exaltados como gênios; franquias toscas como “Transformers” e Velozes e Furiosos (filmes sem ideias, porque “filme com ideia é musical”) são tratadas como obras-primas. No entanto, isso não compromete o programa com a perspectiva do especialista cult, também ridicularizada. Basicamente, todo mundo está errado, e os estereótipos acabam servindo de base para criticar o próprio formato de debate no qual as personagens se inserem. Não são apenas aqueles motoristas de van (ou o povão) que não entendem daquilo que estão falando. Os especialistas também não. E mesmo quando entendem, o debate é um grande circo em que fracassa a comunicação. Como na internet.
  8. É nesse ponto que entra Maurílio, o “especialista” que só fala besteira, tão tosco quanto os outros, mas que se considera genial. O bullying que o “palestrinha” sofre ao longo dos episódios realiza o desejo de milhares de brasileiros diante dos “especialistas” em qualquer coisa que abundam no youtube e afins. Um personagem construído maravilhosamente bem desde seus trejeitos até seu linguajar pseudo-culto. Aquele sorriso é feito para liberar instintos violentos antes mesmo da personagem abrir a boca pra falar.
  9. Todos os filmes do Tom Hanks são uma coisa só. Porque ele é um ator completo. Fica aqui a informação.
  10. Se você tem alguma crítica ao programa, acha só debiloide, forçado, besta, ou tem algum comentário complementar ao que foi aqui apresentado… foda-se! Não tô nem aí. Já publiquei.

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