Nunca foi sorte, sempre foi Exu.
Eis uma das poucas Profecias que eu recebi da vida – amigos + amores – e que todos os anos se autorrealiza:
Quanto pior o ano, melhor o Carnaval.
Esse ano não o tivemos – ele, O Carnaval – em todo seu poder de suspensão do tempo no espaço, a nos confirmar o corpo enquanto em festa. Mas tivemos um vislumbre – um átimo, uma fresta, reino de Elegbara – nos desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro.
Eu sempre choro com o desfile, ou antes, com os corpos que o carregam, mas dessa vez acho que chorei mais do que o normal. Sinal dos tempos, é claro, mas não apenas: a festa estava dolorosamente linda. Chorei com a comissão de frente da Mangueira, com a resistência negra no Salgueiro. Chorei com Conceição Evaristo na Beija-Flor, com Martinho na Vila. E chorei, é claro, com a criatividade épica da Grande Rio, começando com Exu e terminando com Estamira (ou terá sido o contrário?).
Sintomas? Ei-los: O PRIMEIRO carnaval “pós” – um “pós” que é “ainda” e “enquanto” – a maior tragédia coletiva dos nossos tempos. O PRIMEIRO título da Grande Rio. Um carnaval explicitamente macumbeiro e negro do começo ao fim. E o Grande Vitorioso é ele, o senhor dos caminhos, o dono do corpo, o primeiro do Xirê. Bará. 2022 como encruzilhada já se mostra atravessada por Exu em níveis diversos, simultâneos e desiguais. Mesmo sem as enxergar nós já as vemos, as mudanças que já acontecem enquanto estão por vir.
Aos mais emocionados, no entanto, atenção: Quando Exu mostra sua cara, a terra treme. Mudança pra Exu não tem o mesmo sentido acalentador do misticismo astrológico psicologizante de segunda mão que circula por aí. Nem no óbvio dos afetos, sejam eles quais forem – inclusive os políticos. Recado de Exu pra quem está dando por certa a queda do Senhor de todo mal: eu sou em movimento, não na vacilação. Pra bom entendedor jacaré é tronco.
Mais do mesmo pra Exu é sempre o mesmo do mais. É rio. Onde não acontece nada do que já está acontecendo. Quem tem olhos, que veja. E fica esperto, vacilão.
Salve Grande Rio que a tudo engole.
Nunca-sempre, laroiê.